É a economia, estúpido!

28/10/2010

Há um equívoco crucial em dizer que foi o governo Lula que “criou” milhões de empregos, “tirou” milhões da miséria e “colocou” outros tantos milhões na classe média. Um equívoco tão grande quanto dizer o mesmo do governo FHC ou de qualquer outro governo em outra época.

O que proporcionou as condições para que empregos fossem criados e para que famílias das classes C, D e E pudessem poupar dinheiro e melhorar sua condição foram a estabilidade econômica e a dinamização da economia.

Essas duas conquistas estão relacionadas entre si e devem o seu sucesso basicamente ao Plano Real e à nova política econômica (que passou a se orientar segundo os critérios liberais sugeridos no Consenso de Washington), assim como à abertura econômica e às reformas que foram realizadas no país (embora uma das mais importantes, a reforma tributária, até hoje não tenha acontecido).

Nos anos 70, quando o regime militar continuava a política desenvolvimentista que era a marca do Estado brasileiro desde os anos 30 (foram quase 60 anos de social-democracia), o Brasil chegou a crescer a taxas médias de 10% ao ano, mas as camadas mais pobres da população se beneficiavam pouco do crescimento porque parte de seus rendimentos se perdiam com a inflação.

Esse problema se tornou mais crônico e profundo na década de 80, quando se chegou ao nível de pleno emprego mas ainda assim a população empobrecia por causa da hiper-inflação.

Com a desvalorização diária e contínua da moeda, o salário que os mais pobres recebiam ao final do mês mal dava para pagar as contas. Os mais ricos, obviamente, podiam investir em imóveis e outras aplicações. Mas, justamente por isso, não há forma mais rápida e eficaz para criar abismos entre as classes sociais do que a inflação. Para piorar o quadro, planos econômicos desastrosos foram tentados e chegou-se ao extremo do confisco da poupança no governo Collor.

Uma vez estabilizada a economia e controlada a inflação nos tempos de real, toda aquela massa de pessoas passou a ter condições de poupar parte de seus rendimentos, assim como a consumir mais e melhor, o que por sua vez gerava mais empregos, criando um círculo virtuoso (inclusive para o Estado, que também arrecada mais impostos).

Você se lembra das pessoas que passaram a comer frango ou puderam comprar uma dentadura? E depois daqueles que agora podiam comprar uma TV ou uma geladeira? Pois bem, o que temos agora é um número extraordinário de pessoas que sempre pagaram aluguel assinando contratos de financiamento de um imóvel ou carro novo.

É uma evolução natural depois de quinze anos de estabilidade e crescimento, mesmo que baixo. São milhões de famílias melhorando de vida gradualmente, ano após ano, gastando mais e ao mesmo tempo poupando mais. Coletivamente, essa poupança permite que o sistema bancário amplie imensamente a quantidade de dinheiro disponível para empréstimos e financiamentos, novamente girando a roda da economia.

O que se vê, portanto, é um efeito bola de neve causado pela liberação do potencial do mercado interno do país, reprimido durante décadas. Em grande parte por esse motivo, a crise nos países ricos não afetou tanto a economia dos países emergentes como alguns chegaram a temer. Lula estava certo sobre a marolinha. O que aconteceu no Brasil foi o mesmo que aconteceu em outras partes do mundo, como na Índia e na China.

Governos também geram empregos e crescimento, claro, na medida em que são agentes econômicos importantes, responsáveis por uma parcela significativa dos gastos em todo o sistema. Mas isso acaba se diluindo para a maior parte do povo quando não há estabilidade, tornando os funcionários públicos, com seus altos salários, uma classe privilegiada em um sistema perverso. Para evitar esse quadro e manter a inflação em níveis baixos, o Estado precisa controlar seus gastos e investir bem o orçamento disponível.

Os governos desenvolvimentistas do século passado (desde Getúlio até o regime militar, passando por JK) gastavam muito mais do que podiam, e o faziam porque se viam na missão de atuar em todos os segmentos da economia. Dessa forma, estavam sempre rolando as dívidas que tinham feito anteriormente e contraindo novas dívidas, o que implica mais impressão de dinheiro, mais inflação e juros mais altos para que os credores aceitem o risco potencial de um calote. Nem por isso as estatais tinham um desempenho à altura das necessidades do país.

Paralelamente, os governos não davam conta de outros setores primordiais, como segurança, educação básica, saúde, saneamento, previdência. Terminavam não cuidando bem nem de uma coisa nem de outra.

Daí a importância de delegar os investimentos em áreas de serviço e infra-estrutura para a iniciativa privada. Com as privatizações, o Estado descompromete parte de seu orçamento e libera esse dinheiro para investir naquelas outras áreas que são essencialmente de sua responsabilidade.

O resultado, no caso da área de telefonia e telecomunicações, por exemplo, foi a modernização do setor, o aumento exponencial da cobertura de serviço e a criação de centenas de milhares de empregos (pense não só nas áreas de engenharia e infra-estrutura, como também nos pontos de venda de celular e nos call centers) nas várias empresas que disputam os clientes de telefonia fixa e celular, internet, banda larga etc. E o dinheiro que isso significa para os cofres públicos na forma de impostos.

Outro exemplo importante é a Vale, que era quase deficitária e não tinha capacidade financeira para fazer investimentos em ampliação da capacidade e modernização. Hoje a Vale tem perto de 65 mil funcionários (eram 15 mil), arrecada 4 bilhões em impostos anualmente (eram cerca de 100 milhões) e recebeu bilhões de dólares de investimento, que não seriam feitos de outro modo. Além disso, hoje a Vale exporta várias vezes mais do que antes da privatização, o que também tem um impacto enorme sobre as contas externas do país.

É preciso lembrar ainda que as privatizações foram realizadas por meio de leilões públicos, e que se não foi possível arrecadar mais dinheiro foi porque muitas das estatais necessitavam de investimentos gigantescos para se tornarem empresas viáveis e competitivas. Ao mesmo tempo, são milhares de cargos de diretoria a menos para serem loteados por políticos pouco preocupados com qualquer outra coisa que não com sinecuras e o enriquecimento de seus próprios grupos.

Hoje temos a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede que os governos em todos os níveis gastem mais do que têm disponível. Parece uma coisa prosaica que se deva gastar menos do que se arrecada, mas a lei enfrentou muita resistência no Congresso e por parte das administrações municipais e estaduais. Muitas estavam acostumadas a recorrer às reservas dos bancos estaduais sem repor esse dinheiro mais tarde, de forma que a maioria dos bancos públicos estava quebrada. Alguns foram privatizados, outros foram saneados por meio do PROES, da mesma forma que houve um saneamento do sistema bancário privado com o PROER (evitando um desfecho semelhante ao da crise bancária de 2009 na Europa e nos Estados Unidos).

Em que medida todos esses fatores têm sido considerados quando se fala dos milhões de empregos gerados no país e nos milhões de pessoas que deixaram a pobreza? E quanto se lembra da importância de outros setores que têm sido fundamentais para o desempenho da economia e para a melhoria de vida da população?

Por exemplo, a agricultura de grande escala (os fazendeiros que a esquerda mais retrógada chama de latifundiários, confundindo-os deliberadamente com os velhos coronéis nordestinos), que anualmente injeta bilhões na economia das cidades do interior de todo o país, alimentando o caixa das prefeituras, movimentando o comércio e as economias locais, colaborando fundamentalmente para o superávit das exportações e colocando na mesa dos brasileiros a comida mais barata do mundo.

Nestes 16 anos, com contribuições para a liberalização da economia que já vieram dos governos Sarney (início das privatizações), Collor (abertura econômica) e Itamar Franco, foi acima de tudo a estabilidade e a política econômica que permitiram que a economia crescesse e que novas oportunidades fossem criadas e espaços preenchidos pelas empresas privadas – sejam elas multinacionais estrangeiras ou de origem nacional, sejam elas pequenos negócios ou micro-indústrias.

A melhoria constante dos indicadores sociais e econômicos brasileiros é uma prova viva do sucesso do receituário neoliberal, e a grande contribuição do governo FHC foi ter implantado esses princípios no país, mesmo enfrentando grande resistência e por meio de medidas impopulares, o que sem exagero nenhum inaugurou um novo momento na história do Brasil.

O governo Lula, por sua vez, merece elogios por ter dado continuidade a esses princípios, cumprindo o compromisso firmado na Carta ao Povo Brasileiro, em 2002 (que levou a esquerda a acusar o PT de trair os seus princípios, como Plínio Arruda, no primeiro turno, não deixou de lembrar insistentemente).

Porém, se a princípio havia um reconhecimento pelo menos implícito desse sucesso por parte do governo Lula, com o tempo isso voltou a se transformar em ingratidão e ressentimento, especialmente à medida que as eleições se aproximavam. Os discursos cada vez mais virulentos e cheios de ódio dirigidos por Lula e pelos petistas ao PSDB lembram os tempos em que o partido tanto criticava e se opunha a tudo que era feito no governo Fernando Henrique: a oposição ferrenha ao Plano Real (outra canga das elites sobre o povo), à Lei de Responsabilidade Fiscal (ia acabar com a capacidade de investimento do Estado), às privatizações (entreguismo), ao superávit primário (vamos dar o calote na dívida), à independência do Banco Central, ao câmbio livre, à CPMF (que agora querem criar de novo). Sem mencionar que eles já se comportavam bem mal antes de 1995.

Não custa lembrar o teatro que foi o tal pagamento da dívida externa brasileira pelo atual governo: trocaram empréstimos de longo prazo, com juros de 2% a 4% ao ano, do FMI e do Banco Mundial (bancos de fomento como o BNDES no Brasil) por dívidas com juros bem mais altos em bancos brasileiros (leia mais aqui). Foi o preço para ganhar o apoio das esquerdas retrógradas que até hoje pregam o boicote da dívida pública.

É interessante lembrar também o tempo em que Lula chamava os programas de transferência de renda implantados por Fernando Henrique de bolsa-esmola. Foram programas tachados como assistencialistas tanto pela esquerda como pelos liberais (e são, apesar de seus inegáveis benefícios às famílias e regiões mais atrasadas, embora seja preciso fazer um controle mais rígido de quem recebe o benefício e de quando ele é interrompido). Curiosamente, esses programas, que depois foram reunidos no Bolsa Família, saíram da cabeça de economistas do mesmo Banco Mundial que é tão odiado e satanizado por “impor” as reformas liberais ao Brasil.

É a ideologia, estúpido!

Apesar de todas essas considerações, parece que o momento não é de lembrar os pecados do PT e nem os méritos do PSDB. O momento é de celebração populista, de ataques virulentos à oposição, de lavagem cerebral e reescrita da história.

A esta altura, a maior parte da população já está tão atordoada por tantos anos de propaganda e mentiras que parece nem perceber mais o tamanho das conquistas que foram conseguidas com tanta dificuldade e em um cenário tão improvável pelo governo anterior.

A população está anestesiada. Já não se importa mais com esquemas de corrupção (esquemas, não episódios) que nascem dentro dos gabinetes do governo central, não se surpreende com Erenices, com mensalões e com tantos outros casos que foram derrubando, uma a uma, todas as principais lideranças do PT. Só sobrou mesmo o grande líder, o grande inimputável da República, condição que já parece transferir para sua candidata.

É a verdade incômoda que os militantes e os partidários do PT não querem reconhecer. Pelo contrário, quanto mais as coisas pioram, mais eles se refugiam na ideologia, mais se radicalizam e esperneiam. Protegem-se atrás do velho discurso marxista da luta de classes, do discurso maniqueísta da divisão entre pobres e ricos, do discurso sobre a imprensa golpista martelado diariamente pela máquina de propaganda e comunicação do partido, do discurso populista contra as elites que Lula repete diariamente na televisão e em comícios, completamente embriagado pelo próprio senso de grandeza paranóica.

E assim os militantes protegem e exaltam um partido e um presidente que prestam apoio explícito aos aprendizes de ditador que vão se multiplicando ao nosso redor. A um partido e um presidente que apóiam uma ditadura instaurada numa ilha-prisão no Caribe há mais de cinqüenta anos. A um partido e um presidente que prestam apoio ideológico a uma guerrilha de narcotraficantes, que nem sequer possui a desculpa de estar combatendo uma ditadura para continuar seqüestrando e mantendo pessoas em cativeiro. A um partido e um presidente que empregam em seu governo pessoas daquela mesma guerrilha em cargos de ministérios. A um partido e um presidente que prestam apoio a um lunático que confessa querer jogar uma bomba atômica em um país vizinho. A um partido e um presidente que vêem seus adversários como inimigos a serem extirpados. A um partido e um presidente que fingem não ter nada a ver com o assassinato de um de seus próprios quadros, prefeito na região onde os movimentos sindicais que deram origem ao partido cresceram, e à queima de arquivo que se seguiu à sua morte.

Os militantes já não percebem mais a corrupção moral a que se entregaram pelo partido. Já não têm sensibilidade, já criaram uma espessa carapaça ideológica impermeável à realidade. E é carregando todo esse lixo moral que compõe sua ideologia, e que em muitos momentos não tem o menor pudor de celebrar, que o PT acusa nos adversários uma campanha de ódio que ele próprio promove nestas eleições ao mesmo tempo em que reforça o mito de Lula como o homem que fundou um novo Brasil, contrário a tudo aquilo que os outros fizeram nos “500 anos” anteriores.

Só a cegueira ideológica pode explicar que os militantes petistas não enxerguem a vocação populista, corrupta e totalitária do partido que estão apoiando.


Shall we be rational? ou Chauí, be rational

08/04/2009

Marilena Chauí na capa da Cult de março:

“É preciso dar um basta à tentativa de caracterizar o presidente como um populista”.

E a definição de populismo de Chauí na entrevista:

“O populismo […] é a política da classe dominante para exercer o controle sobre as classes populares e/ou sobre a classe média tanto por meio de concessão de benefícios pontuais quanto por meio da figura do governante como salvador e protetor.”

Imagino que o genérico classe dominante da frase inclua também a classe política dominante.

Creepy, hein?! Seria esquizofrenia? Alzheimer?

Mais em Marilena Chauí: a velhinha de Taubaté do Petismo.